Ler a correspondencia alheia e, alerta-nos a autoridade, atividade criminosa. Que o leitor amigo aceite, portanto, o saboroso convite a um ilicito voyeurismo: trata-se de desvendar as cartas amorosas de um dos maiores poetas do seculo passado, o portugues Fernando Pessoa.
Se todo homem e um universo de percepcoes, sonhos e experiencias, a alma multiforme de Pessoa cindiu-se numa miriade de galaxias, desveladas pela esquizofrenia literaria da heteronimia. O poeta sao poetas, e e esse parnaso pessoal, composto por filosofos panteistas, medicos aristocraticos, engenheiros futuristas, escrivaes misantropos, que constitui um dos maiores desafios ao entendimento desse pequeno funcionario portugues, desse cultor da astrologia e do ocultismo, do homem metodico dado ao vicio do alcool, da carne que se fez verbo, coerente com a troca de sinal da mensagem do evangelho que representou seu projeto de existencia.
Nas cartas a seguir, enderecadas por Fernando Pessoa a sua amada Ophelia, e impossivel nao reconhecer os ecos de outra celebre epistolografia literaria, aquela trocada por Franz Kafka e sua noiva, Felice Bauer; ambos, Kafka e Pessoa, foram burocratas mediocres, que consumiram a vida no processo monomaniaco de encontrar o sumo da existencia, transmutada na obra (talvez nao fosse de todo incorreto afirmar que, para Pessoa e Kafka, parodiando os versos do primeiro, escrever e preciso, viver nao e preciso), ambos vivendo paixoes fadadas ao fracasso, repletas de extremado apego e de obsessoes neuroticas.
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